MORTE E VIDA DOS CORONÉS DO CAPITAL*


Mauro Luis Iasi**

“Considerando bem tudo, encontrar-se-ão coisas que parecem virtudes e que, se fossem praticadas, lhe acarretariam a ruína, e outras que poderão parecer vícios e que, sendo seguidas, trazem a segurança e o bem-estar do governante.”
Maquiavel

Quando Antônio Carlos Magalhães baixou seu corpo finalmente à terra baiana, levava consigo certamente a sensação do dever cumprido. Transitou da Ditadura Militar até a democratização como chefe político e paradigma de uma forma de política que é bem mais que uma mera reminiscência do coronelismo do passado, cheirando a sandálias de couro e cangaço, a patentes ilusórias de um exército ilusório sustentado pelas trocas de favores e lealdades políticas.

ACM foi um político moderno, na própria acepção do termo. O coronelismo é apenas uma forma particular de uma substância muito mais universal que aparenta. Sabemos que as formas políticas são expressão de certo momento das relações humanas que buscam produzir sua sociabilidade e sua vida, desta forma a constituição da formação social brasileira tem gestado durante os séculos formas políticas que correspondem à dinâmica dos interesses de classe em luta em cada período.

O mito liberal reside no fato segundo o qual há uma evolução progressiva das formas políticas no sentido de um progresso que tem por meta o estabelecimento de um suposto “bem comum” ou “interesse geral” que pairando acima dos interesses particulares possa estabelecer um contexto verdadeiramente político. No reino metafísico da política pura prevaleceria a abdicação do uso da força, a vitória do interesse geral sobre o particular, a profilática separação entre o público e o privado, a supremacia do Direito administrado por instituições públicas, enfim, um Estado acima da sociedade e impondo sobre esta uma ordem que a todos interessa.

Dessa forma, como afirma Maquiavel, “muita gente imaginou repúblicas que nunca se viram nem jamais foram reconhecidas como verdadeiras”. Aquele que acredita na quimera liberal, diante da estonteante realidade na qual os interesses privados das classes entram em luta pelo controle do poder político a fim de garantir seus próprios interesses, acaba por desenvolver conceitos ortopédicos do tipo “privatização do Estado”, ou a “corrupção” como causa maior dos males de um país.

ACM não é apenas um velho coronel. É um político de uma certa ordem social, na qual o grande capital monopolista encontrou uma aliança de classes fundamental com camadas fisiológicas tradicionais que parasitam o Estado brasileiro desde a proclamação da República e mesmo antes dela. Desde a formação do Estado Nacional moderno no Brasil com Getúlio Vargas, estas camadas consolidaram poderes locais que lhes servem de base para barganhar espaços no poder central. No entanto, esta forma tradicional encontrou um novo conteúdo após o golpe de 1964 e da prevalência dos interesses monopolistas no Brasil.

A base desta nova fisiologia da política brasileira se encontra no fato de que o “interesse geral” do capital monopolista nacional e internacional precisa encontrar mediações locais que organize a exploração da classe trabalhadora, mantenha-a baixo uma hierarquia, disciplinada, sob controle, ainda que com níveis Editorial acentuados de formação de superpopulações relativas. Na ausência de uma burguesia sólida a dominação política se serve de figuras que personificam e personalizam o poder. Assim o grande capital recria formas tradicionais de domínio, mas as subordina à sua lógica. Não se trata mais da mera dominação carismática, mas de personificações dos interesses de classe do capital.

Dessa maneira estas camadas tradicionais locais sobreviveram ao período ditatorial, estabeleceram-se comodamente na transição democrática, foram um dos pilares do governo FHC e nada indica que perderam seu poder no atual governo Lula, como demonstra a persistência do clã Sarney.

O que se contrapõe ao estilo cru de ACM não pode ser uma ilusória política baseada na ética ou em um fantasmagórico “bem comum”, mas deveria ser o desvendar dos interesses que ele procurava atingir por meio desta forma particular de política. Infelizmente o que foi enterrado na Bahia foi apenas o corpo podre de um velho autoritário, aquilo que ele representava segue vivo e forte no atual governo do grande capital que encontrou uma forma
jovem do mesmo fenômeno: a personificação da liderança que manipula as massas para manter interesses dominantes contra elas.

Finalmente a democracia consolidou-se. Podemos encontrar entre membros da classe trabalhadora os novos coronéis do grande capital. ACM morreu, não deixará saudades. Seria bom que nos preocupássemos com os coronéis que continuam vivos.

* Texto publicado em Imprensa Popular - Jornal do Partido Comunista Brasileiro, out. 2007, p. 4.
**Professor Titular de Ciência Política da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e Membro da Executiva do PCB de São Paulo.

Fonte: PCB

Nenhum comentário: