UJC: UMA JOVEM DE 80 ANOS*

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Se fossem postas velinhas de aniversário, o bolo teria de ser grande. Afinal, receberia nada menos que 80 desses adereços. Em 1º de agosto, a União da Juventude Comunista – UJC – comemorou oito décadas de existência. E continua lépida e fagueira na luta contra o capital.
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Apesar de aprovada pelo Comitê Central do PCB desde 1925, a organização dos jovens comunistas só viria a se estruturar em 1927. Fechada e acionada diversas vezes, por conseqüências conjunturais ou mudanças táticas do PCB, a mais antiga organização de juventude revolucionária do Brasil ajudou a UJC: uma jovem de 80 anos construir as frentes únicas contra o avanço do fascismo. Num dos mais famosos confrontos, a chamada Batalha da Sé em São Paulo, ocorrido em 1935, vários foram os feridos e quatro os mortos. Um era militante da Juventude Comunista. O evento foi o ponto alto das disputas de mobilização pública entre a Ação Integralista Brasileira e a Aliança Nacional Libertadora, que geralmente terminavam nas “vias de fato”.
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Infelizmente o jovem comunista não foi o único, nem o último, a perder a vida: a perseguição ao comunismo não faz distinção de idade...
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Quase duas décadas depois, em 1953, a UJC lança a campanha contra o envio de soldados brasileiros para a Guerra da Coréia, evento no qual o governo brasileiro se alinhou aos interesses dos Estados Unidos.
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A UJC foi ativa na luta contra a ditadura militar surgida pelo golpe de 1º de abril de 1964 e continua ao lado dos trabalhadores nesta triste era neoliberal. Se a UJC fosse uma obra literária em construção, junho de 2006 marcaria seu capítulo mais recente. O Congresso de reorganização delimita a atual linha política da organização e elege sua Coordenação Nacional.
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Segundo seu secretário político, Túlio Lopes, "nesses 80 anos, a UJC mostrou a possibilidade que há de organizar a juventude brasileira de maneira revolucionária. Esteve presente em momentos marcantes das lutas da juventude e em vários momentos extrapolando as lutas juvenis e assumindo em coração as mais significantes lutas do povo brasileiro, combatendo horas abertamente ou nas trevas, sacrificando vidas jovens em prol da causa mais jovem, a causa do amanhã, do comunismo"
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> CONFIRA A PÁGINA DA UNIÃO DA JUVENTUDE COMUNISTA (UJC)
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* Matéria publicada em Imprensa Popular - Jornal do Partido Comunista Brasileiro, out. 2007, p. 2.
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Fonte: PCB

TROPA DE ELITE: A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA!

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Ivan Pinheiro
Secretário-Geral do PCB
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"Homem de preto.
Qual é sua missão?
É invadir favela
E deixar corpo no chão"
(refrão do BOPE)
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Não vá cair no papo furado de que "Tropa de Elite" é "arte pura" ou "obra aberta". Um filme sobre questões sociais não podia ser neutro. Trata-se de uma obra de arte objetivamente ideológica, de caráter fascista, que serve à criminalização e ao extermínio da pobreza. É possível até que os diretores subjetivamente não quisessem este resultado, mas apenas ganhar dinheiro, prestígio e, quem sabe, um Oscar. Vão jurar o resto da vida que não são de direita. Aliás, você conhece alguém no Brasil, ainda mais na área cultural, que se diga de direita?
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Como acredito mais em conspirações do que no acaso, não descarto a hipótese de o filme ter sido encomendado por setores conservadores. Estou curioso para saber quais foram os mecenas desta caríssima produção, que certamente foi financiada por incentivos fiscais.
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O filme tem objetivos diferentes, para públicos diferentes. Para os proletários das comunidades carentes, o objetivo é botar mais medo ainda na "caveira" (o BOPE, os "homens de preto"). O vazamento escancarado das cópias piratas talvez seja, além de uma estratégia de marketing, parte de uma campanha ideológica. A pirataria é a única maneira de o filme ser visto pelos que não podem pagar os caros ingressos dos cinemas. Aliás, que cinemas? Não existe mais um cinema nos subúrbios, a não ser em shopping, que não é lugar de pobre freqüentar, até porque se sente excluído e discriminado.
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No filme, os "caveiras" são invencíveis e imortais. O único que morre é porque "deu mole". Cometeu o erro de ir ao morro à paisana, para levar óculos para um menino pobre, em nome de um colega de tropa que estava identificado na área como policial. Resumo: foi fazer uma boa ação e acabou assassinado pelos bandidos.
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Para as classes médias e altas, o objetivo do filme é conquistar mais simpatia para o BOPE, na luta dos "de cima", que moram embaixo, contra os "de baixo", que moram em cima.
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Os "homens de preto" são glamourizados, como abnegados e incorruptíveis. Apesar de bem intencionados e preocupados socialmente, são obrigados a torturar e assassinar a sangue frio, em "nosso nome". Para servir à "nossa sociedade", sacrificam a família, a saúde e os estudos. Nós lhes devemos tudo isso! Portanto, precisam ser impunes. Você já viu algum "caveira" ser processado e julgado por tortura ou assassinato? "Caveira" não tem nome, a não ser no filme. A "Caveira" é uma instituição, impessoal, quase secreta.
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Há várias cenas para justificar a tortura como "um mal necessário". Em ambas, o resultado é positivo para os torturadores, ou seja, os torturados não resistem e "cagüetam" os procurados, que são pegos e mortos, com requintes de crueldade. Fica outra mensagem: sem aquelas torturas, o resultado era impossível.
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Tudo é feito para nos sentirmos numa verdadeira guerra, do bem contra o mal. É impossível não nos remetermos ao Iraque ou à Palestina: na guerra, quase tudo é permitido. À certa altura, afirma o narrador, orgulhoso: "nem no exército de Israel há soldados iguais aos do BOPE".
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Para quem mora no Rio, é ridículo levar a sério as cenas em que os "rangers" sobem os morros, saindo do nada, se esgueirando pelas encostas e ruelas, sem que sejam percebidos pelos olheiros e fogueteiros das gangues do varejo de drogas! Esta manipulação cumpre o papel de torná-los ainda mais invencíveis e, ao mesmo tempo, de esconder o estigmatizado "Caveirão", dentro do qual, na vida real, eles sobem o morro, blindados. O "Caveirão", a maior marca do BOPE, não aparece no filme: os heróis não podem parecer covardes!
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O filme procura desqualificar a polêmica ideológica com a esquerda, que responsabiliza as injustiças sociais como causa principal da violência e marginalidade. Para ridicularizar a defesa dos direitos humanos e escamotear a denúncia do capitalismo, os antagonistas da truculência policial são estudantes da PUC, "despojados de boutique", que se dão a alguns luxos, por não terem ainda chegado à maioridade burguesa.
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Os protestos contra a violência retratados no filme são performances no estilo "viva rico", em que a burguesia e a pequena-burguesia vão para a orla pedir paz, como se fosse possível acabar com a violência com velas e roupas brancas, ou seja, como se tratasse de um problema moral ou cultural e não social.
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A burguesia passa incólume pelo filme, a não ser pela caricatura de seus filhos que, na Faculdade, fumam um baseado e discutem Foucault. Um personagem chamado "Baiano" (sutil preconceito) é a personificação do tráfico de drogas e de armas, como se não passasse de um desses meninos pobres, apenas mais espertos que os outros, que se fazem "Chefe do Morro" e que não chegam aos trinta anos de idade, simples varejistas de drogas e armas, produtos dos mais rentáveis do capitalismo contemporâneo. Nenhuma menção a como as drogas e armas chegam às comunidades, distribuídas pelos grandes traficantes capitalistas, sempre impunes, longe das balas achadas e perdidas. E ainda responsabilizam os consumidores pela existência do tráfico de drogas, como se o sistema não tivesse nada a ver com isso!
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O Estado burguês também passa incólume pelo filme. Nenhuma alusão à ausência do Estado nas comunidades carentes, principal causa do domínio do banditismo. Nenhuma denúncia de que lá falta tudo que sobra nos bairros ricos. No filme, corrupção é um soldado da PM tomar um chope de graça, para dar segurança a um bar. Aliás, o filme arrasa impiedosamente os policiais "não caveiras", generalizando-os como corruptos e covardes, principalmente os que ficam multando nossos carros e tolhendo nossas pequenas transgressões, ao invés de subirem o morro para matar bandido.
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A grande sacada do filme é que o personagem ideológico principal não é o artista principal. Este, branco, é o que mais mata. Ironicamente, chama-se Nascimento. É um tipo patológico, messiânico, sanguinário, que manda um colega matar enquanto fala ao celular com a mulher sobre o nascimento do filho.
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Mas para fazer a cabeça de todos os públicos, tanto os "de cima" como os "de baixo", o grande e verdadeiro herói da trama surge no final: Thiago, um jovem negro, pacato, criado numa comunidade pobre, que foi trabalhar na PM para custear seus estudos de Direito, louco para largar aquela vida e ser advogado. Como PM, foi um peixe fora d'água: incorruptível, respeitava as leis e os cidadãos. Generoso, foi ele quem comprou os óculos para dar para o menino míope. Sua entrada no BOPE não foi por vocação, mas por acaso.
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Para ficar claro que não há solução fora da repressão e do extermínio e que não adianta criticar nem fazer passeata, pois "guerra é guerra", nosso novo herói se transforma no mais cruel dos "caveiras" da tropa da elite, a ponto de dar o tiro de misericórdia no varejista "Baiano", depois que este foi torturado, dominado e imobilizado. Para não parecer uma guerra de brancos ricos contra negros pobres, mas do bem contra o mal, o nosso herói é um "caveira" negro, que mata um bandido "baiano", de sua própria classe, num ritual macabro para sinalizar uma possibilidade de "mobilidade social", para usar uma expressão cretina dos entusiastas das "políticas compensatórias".
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A fascistização é um fenômeno que vem sendo impulsionado pelo imperialismo em escala mundial. A pretexto da luta contra o terrorismo, criminalizam-se governos, líderes, povos, países, religiões, raças, culturas, ideologias, camadas sociais.
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Em qualquer país em que "Tropa de Elite" passar, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, o filme estará contribuindo para que a sociedade se torne mais fascista e mais intolerante com os negros, os imigrantes de países periféricos e delinqüentes de baixa renda.
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No Brasil, a mídia burguesa há muito tempo trabalha a idéia de que estamos numa verdadeira guerra, fazendo sutilmente a apologia da repressão. Sentimos isso de perto. Quantas vezes já vimos pessoas nas ruas querendo linchar um ladrão amador, pego roubando alguma coisa de alguém? Quantas vezes ouvimos, até de trabalhadores, que "bandido tem que morrer"?
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Se não reagirmos, daqui a pouco a classe média vai para as ruas pedir mais BOPE e menos direitos humanos e, de novo, fazer o jogo da burguesia, que quer exterminar os pobres, que só criam problemas e ainda por cima não contam na sociedade de consumo. Daqui a pouco, as milícias particulares vão se espalhar pelo país, inspiradas nos heróicos "homens de preto", num perigoso processo de privatização da segurança pública e da justiça. Não nos esqueçamos do modelo da "matriz": hoje, os mais sanguinários soldados americanos no Iraque são mercenários recrutados por empresas particulares de segurança, não sujeitos a regulamentos e códigos militares.
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Parafraseando Bertolt Brecht, depois vai sobrar para nós, que teimamos em lutar contra o fascismo e a barbárie, sonhando com um mundo justo e fraterno.
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A trilha sonora do filme já avisou:
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"Tropa de Elite,
Osso duro de roer,
Pega um, pega geral.
Também vai pegar você!"
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Fonte: PCB

AGRONEGÓCIO, A VOLTA DA CASA GRANDE*

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A busca por alternativas ao petróleo é estratégica para a Humanidade. Entre as diversas possibilidades em estudo, o capital identifica o etanol como a melhor das alternativas. É uma fonte renovável, limpa e, também, uma oportunidade de obtenção de lucros exorbitantes e de fácil acúmulo de capital, por conta, principalmente no caso brasileiro, da quase escravização do trabalhador rural.
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O etanol feito a partir da cana de açúcar pode ser produzido, no Brasil, em larga escala, mesmo sem expansão da fronteira agrícola. Há, ainda, no país, muita terra agriculturável para futura utilização, sem risco para as florestas e áreas de preservação ambiental ou para a produção de alimentos. Mas, dada a atual estrutura fundiária brasileira e o caráter especulativo da atividade agrícola capitalista, pode-se esperar que, com a elevação dos preços do etanol e a garantia das vendas no mercado internacional, haverá certamente a diminuição e até a extinção de culturas. Os fazendeiros paulistas, por exemplo, tenderão a deixar de lado outros cultivos para plantar somente cana; os de Goiás deixarão de lado a soja. Assim, cairá sobre o conjunto dos trabalhadores a elevação do custo de vida, cairá o nível da segurança alimentar dos brasileiros.
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O capitalismo brasileiro está perfeitamente integrado à economia mundial. Esta integração, entretanto, é subalterna e perigosa. Subalterna porque tende a especializar o Brasil na produção e exportação de produtos agrícolas, o que deteriora os termos de trocas, ou seja, encarece as importações de máquinas e produtos manufaturados. E perigosa devido à entrada de capital estrangeiro no setor, o que torna o país mais vulnerável nas relações econômicas com o exterior.
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Aparentemente, o agronegócio brasileiro é moderno e competitivo. Nestes tempos de política neoliberal, tem sido o setor que apresentou melhores resultados: responde por cerca de um terço do produto interno bruto, 42% das exportações e 37% dos empregos. Obteve umataxa anual de crescimento, nos últimos anos, acima de 4,5%, maior que a do conjunto da economia. É o principal exportador mundial de café, açúcar, álcool, suco de frutas, tabaco e soja.
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As aparências enganam
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O crescimento do agronegócio se baseia na substituição do trabalho vivo pelo morto (uso crescente de máquinas) e na superexploração do trabalho: as condições de vida e trabalho dos assalariados rurais brasileiros equivalem às condições do período mais cruel da acumulação primitiva, no início do capitalismo na Europa. A grande maioria dos trabalhadores nas plantações são temporários e terceirizados, moram em habitações precárias, têm uma jornada de trabalho extenuante, fazem as refeições no próprio canavial, com nutrientes insuficientes. Muitas vezes usam drogas para driblar a fadiga.
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Segundo Maria A. de Moraes e Silva (UNESP),
a busca dos empresários rurais pela produtividade a qualquer custo está reduzindo drasticamente o tempo de vida útil dos trabalhadores volantes para cerca de 12 anos, o que se equipara à vida útil dos escravos dos canaviais, nos tempos da colonização. Os trabalhadores são obrigados a produzir em média 10 toneladas de cana por dia, ou seja, devem andar por volta de oito quilômetros e realizar cerca de 10 mil golpes de facão para ganhar cinco reais por tonelada de cana, incluindo os benefícios indiretos. Desde 2004 já ocorreram 20 mortes nos canaviais paulistas.
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É a volta da Senzala, em versão tecnológica.
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A ALTERNATIVA COMUNISTA
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O capitalismo está consolidado no campo brasileiro. Está integrado à indústria e ao mercado mundial. Sua estrutura atual é a que melhor atende aos interesses do capital. Não haverá nenhuma evolução no setor que, naturalmente, aponte para a priorização da produção de alimentos para o consumo de todos os trabalhadores brasileiros, para o fim da fome e da miséria.
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Assim como em outras culturas de grande escala, o cultivo da cana-de-açúcar para a produção de etanol deve dar-se em fazendas de propriedade pública, com trabalho assalariado. Simultaneamente, há que promover-se a desapropriação e a distribuição de terras nas áreas sub-urbanas – os chamados cinturões verdes – para a produção de hortifrutigranjeiros e outros produtos agrícolas para o abastecimento local.
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Este será um grande passo para a conquista da justiça social, da divisão equânime da renda, da inserção soberana do Brasil no mundo e para a construção do socialismo.
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* Matéria publicada em Imprensa Popular - Jornal do Partido Comunista Brasileiro, out. 2007, p. 3.
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Fonte: PCB

MORTE E VIDA DOS CORONÉS DO CAPITAL*


Mauro Luis Iasi**

“Considerando bem tudo, encontrar-se-ão coisas que parecem virtudes e que, se fossem praticadas, lhe acarretariam a ruína, e outras que poderão parecer vícios e que, sendo seguidas, trazem a segurança e o bem-estar do governante.”
Maquiavel

Quando Antônio Carlos Magalhães baixou seu corpo finalmente à terra baiana, levava consigo certamente a sensação do dever cumprido. Transitou da Ditadura Militar até a democratização como chefe político e paradigma de uma forma de política que é bem mais que uma mera reminiscência do coronelismo do passado, cheirando a sandálias de couro e cangaço, a patentes ilusórias de um exército ilusório sustentado pelas trocas de favores e lealdades políticas.

ACM foi um político moderno, na própria acepção do termo. O coronelismo é apenas uma forma particular de uma substância muito mais universal que aparenta. Sabemos que as formas políticas são expressão de certo momento das relações humanas que buscam produzir sua sociabilidade e sua vida, desta forma a constituição da formação social brasileira tem gestado durante os séculos formas políticas que correspondem à dinâmica dos interesses de classe em luta em cada período.

O mito liberal reside no fato segundo o qual há uma evolução progressiva das formas políticas no sentido de um progresso que tem por meta o estabelecimento de um suposto “bem comum” ou “interesse geral” que pairando acima dos interesses particulares possa estabelecer um contexto verdadeiramente político. No reino metafísico da política pura prevaleceria a abdicação do uso da força, a vitória do interesse geral sobre o particular, a profilática separação entre o público e o privado, a supremacia do Direito administrado por instituições públicas, enfim, um Estado acima da sociedade e impondo sobre esta uma ordem que a todos interessa.

Dessa forma, como afirma Maquiavel, “muita gente imaginou repúblicas que nunca se viram nem jamais foram reconhecidas como verdadeiras”. Aquele que acredita na quimera liberal, diante da estonteante realidade na qual os interesses privados das classes entram em luta pelo controle do poder político a fim de garantir seus próprios interesses, acaba por desenvolver conceitos ortopédicos do tipo “privatização do Estado”, ou a “corrupção” como causa maior dos males de um país.

ACM não é apenas um velho coronel. É um político de uma certa ordem social, na qual o grande capital monopolista encontrou uma aliança de classes fundamental com camadas fisiológicas tradicionais que parasitam o Estado brasileiro desde a proclamação da República e mesmo antes dela. Desde a formação do Estado Nacional moderno no Brasil com Getúlio Vargas, estas camadas consolidaram poderes locais que lhes servem de base para barganhar espaços no poder central. No entanto, esta forma tradicional encontrou um novo conteúdo após o golpe de 1964 e da prevalência dos interesses monopolistas no Brasil.

A base desta nova fisiologia da política brasileira se encontra no fato de que o “interesse geral” do capital monopolista nacional e internacional precisa encontrar mediações locais que organize a exploração da classe trabalhadora, mantenha-a baixo uma hierarquia, disciplinada, sob controle, ainda que com níveis Editorial acentuados de formação de superpopulações relativas. Na ausência de uma burguesia sólida a dominação política se serve de figuras que personificam e personalizam o poder. Assim o grande capital recria formas tradicionais de domínio, mas as subordina à sua lógica. Não se trata mais da mera dominação carismática, mas de personificações dos interesses de classe do capital.

Dessa maneira estas camadas tradicionais locais sobreviveram ao período ditatorial, estabeleceram-se comodamente na transição democrática, foram um dos pilares do governo FHC e nada indica que perderam seu poder no atual governo Lula, como demonstra a persistência do clã Sarney.

O que se contrapõe ao estilo cru de ACM não pode ser uma ilusória política baseada na ética ou em um fantasmagórico “bem comum”, mas deveria ser o desvendar dos interesses que ele procurava atingir por meio desta forma particular de política. Infelizmente o que foi enterrado na Bahia foi apenas o corpo podre de um velho autoritário, aquilo que ele representava segue vivo e forte no atual governo do grande capital que encontrou uma forma
jovem do mesmo fenômeno: a personificação da liderança que manipula as massas para manter interesses dominantes contra elas.

Finalmente a democracia consolidou-se. Podemos encontrar entre membros da classe trabalhadora os novos coronéis do grande capital. ACM morreu, não deixará saudades. Seria bom que nos preocupássemos com os coronéis que continuam vivos.

* Texto publicado em Imprensa Popular - Jornal do Partido Comunista Brasileiro, out. 2007, p. 4.
**Professor Titular de Ciência Política da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e Membro da Executiva do PCB de São Paulo.

Fonte: PCB